Sialorréia: quando a saliva se torna um problema

Sialorréia: quando a saliva se torna um problema

Rui Imamura
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP
Médico Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica e Diretor do Serviço de Bucofaringolaringologia do HCFMUSP

Sialorréia consiste na perda não intencional de saliva pela boca. Ocorre quando a produção de saliva excede a habilidade do indivíduo de engoli-la. É comum em crianças pequenas (menores de 1 ano e meio), pode aumentar nos períodos de erupção dentária, mas é considerada anormal após os 6 anos de idade.

O escoamento da saliva pela boca, ou sialorréia anterior, além de poder causar problemas dermatológicos ao redor dos lábios, na face e no pescoço, comumente resulta em desconforto físico e alterações comportamentais de exclusão social. A sialorréia posterior, ou acúmulo de saliva na garganta, pode evoluir com aspiração de saliva para a traquéia e pulmão, aumentando o risco de pneumonia aspirativa. Consequentemente, dificulta a reabilitação e piora a qualidade de vida do paciente.

A sialorréia é dita primária quando resulta do aumento de produção salivar. Mais frequentemente, contudo, ocorre a sialorréia secundária, em que a quantidade de saliva produzida é normal, mas o paciente não consegue manuseá-la adequadamente, por uma falha na coordenação da deglutição. Até 50% dos pacientes com paralisia cerebral podem apresentar sialorréia. Em outras doenças, especialmente neurológicas degenerativas, esta freqüência pode chegar a 80%. Algumas medicações como clozapina e lítio podem estar associadas à sialorréia, bem como algumas doenças esofágicas, como corpo estranho e esofagite. Respiração bucal por obstrução de vias aéreas superiores por hipertrofia de amigdalas e adenoides e problemas odontológicos, como gengivite, cáries e mal-oclusão podem piorar o quadro.
As opções de tratamento para a sialorréia incluem tratamento fonoterápico (técnicas de terapia motora-oral e estratégias de posicionamento), comportamental, ortodôntico, farmacológico, injeção de toxina botulínica, radioterapia e procedimentos cirúrgicos específicos. Abordaremos aqui os mais comumente utilizados.

O tratamento fonoterápico deve ser sempre considerado. Contudo, em pacientes com sialorréia e aspiração salivar crônica, estímulos intra-orais (mecânicos, táteis, térmicos e gustativos) podem aumentar a quantidade de saliva e dificultar o manejo dos pacientes hiper-secretivos o que, muitas vezes, inviabiliza a terapia.
Em relação ao tratamento medicamentoso, o principal grupo de fármacos utilizados para reduzir o volume salivar são aqueles com efeito anticolinérgico (escopolamina, amitriptilina, atropina e propantelina, entre outros). Além da tendência de levar a tolerância, exigindo doses cada vez mais altas para manter sua eficácia, estes medicamentos têm alguns efeitos colaterais indesejáveis que podem levar à sua interrupção, tais como: hipotensão, redução da sudorese, obstipação e retenção urinária. A prescrição destes medicamentos deve ser bastante criteriosa e, na vigência de efeitos colaterais, deve-se discutir riscos e benefícios com a equipe médica que assiste o paciente.

A injeção da toxina botulínica (por exemplo, Botox®) nas glândulas salivares reduz, temporariamente, a produção de saliva das glândulas injetadas e não tem os efeitos colaterais das medicações com efeito anti-colinérgico. Como as glândulas submandibulares e parótidas são responsáveis pela maior parte da saliva produzida, elas são os principais alvos da aplicação. É um procedimento com boa taxa de sucesso, podendo diminuir em até 60% – 70% o volume salivar. O principal cuidado técnico que deve ser tomado é evitar a injeção do medicamento fora da glândula, o que pode afetar a musculatura relacionada com a mastigação e deglutição, piorando a disfagia. A realização do procedimento guiado por ultra-sonografia diminui este risco (Figura 1). É um procedimento rápido, que pode ser realizado à beira do leito e sem anestesia, em pacientes colaborativos. É considerado seguro e efetivo, sobretudo para a sialorréia anterior (exteriorização de saliva). Para a sialorréia posterior, com aspiração de saliva, é um procedimento com eficácia variável. Em alguns casos, a melhora é evidente. Contudo, se o comprometimento neurológico da deglutição for muito acentuado, a saliva residual, produzida pelas glândulas salivares remanescentes pode acumular na garganta e continuar sendo aspirada. As contrapartidas da toxina botulínica incluem o efeito por tempo limitado e variável (geralmente, dura cerca de 3 meses) e custo elevado.

Figura 1. Injeção de toxina botulínica em glândula submandibular, guiada por ultrassonografia.

Em casos em que a sialorréia não pode ser adequadamente controlada pelos tratamentos anteriores, deve-se considerar a indicação de procedimentos cirúrgicos. Uma opção é a retirada das glândulas submandibulares (submandibulectomia bilateral) associada à ligadura dos ductos parotídeos (Figura 2), já que a remoção das glândulas parótidas envolve complexidade e riscos que não se justificam nestes casos. Enquanto a injeção de toxina botulínica não consegue bloquear totalmente a produção salivar das glândulas injetadas, a cirurgia, quando bem sucedida, garante controle total, sendo mais eficaz. Ainda assim, sua eficácia é maior para sialorréia anterior que posterior, da mesma forma que a toxina botulínica. Em alguns casos, a saliva residual pode ficar mais espessa, o que pode constituir um incômodo para o paciente e cuidadores.

Figura 2. A Figura da esquerda mostra a retirada da glândula submandibular (submandibulectomia). As duas figuras da direita referem-se à ligadura intra-oral do ducto parotídeo, em duas etapas: cateterização do ducto e aspecto final.

Quando a sialorréia posterior com aspiração salivar e as complicações pulmonares são graves, pode ser necessário adotar condutas extremas para controlar a aspiração. Em nosso entendimento, a cirurgia padrão-ouro para este fim é a separação laringotraqueal. Esta cirurgia separa a via aérea da via digestiva e, com isso, impede definitivamente a aspiração de saliva. Contudo, este procedimento requer uma traqueostomia e elimina a voz. Assim, costuma encontrar resistência por parte de pacientes e familiares. Por outro lado, em pacientes já traqueostomizados e com vocalização limitada, existe pouca diferença em termos de limitações e a melhora da condição pulmonar e clínica geral são evidentes. Além de controlar as pneumonias aspirativas, alguns pacientes deixam de ser dependentes de oxigênio e passam até a se alimentar por via oral, apesar de não dispormos de fatores preditores para identificar tais pacientes. A cirurgia pode ser revertida em caso de melhora da disfagia, com reestabelecimento da via respiratória, possibilidade de fechamento do traqueostoma e recuperação funcional da voz.

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