Paralisia cerebral espástica

Paralisia cerebral espástica

Como identificar precocemente essa alteração? Como intervir para melhorar a espasticidade?

Desde a descrição inicial de Little em 1861, reconhece-se que paralisia cerebral, ou simplesmente PC, é um distúrbio persistente, mas variável, do movimento e da postura, que surge nos primeiros anos de vida, decorrente de uma doença não progressiva, e que persiste pela vida toda. O surgimento de técnicas mais modernas de neuroimagem, a melhor compreensão dos mecanismos de lesão neuronal e o advento de novas técnicas de avaliação genética nos levou a revisitar a definição de paralisia cerebral, uma vez que foram identificadas inúmeras causas para a PC.

Formou-se, então, um grupo de estudos para a definição e classificação da PC, publicado em 2007. Atualmente, entende-se PC como um grupo de distúrbios permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura, que provoca diminuição da atividade, atribuída a uma condição não progressiva que atingiu o desenvolvimento do cérebro do feto ou do lactente. Os distúrbios motores na PC geralmente são acompanhados de alterações na sensibilidade, percepção, cognição, comunicação e comportamento, além de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários.1

É importante reforçar que, embora a lesão causadora da PC seja não progressiva, o comprometimento neuromuscular e as limitações funcionais o são.2,3 Por isso, é extremamente importante o diagnóstico precoce de alterações na movimentação e na marcha para que se possa intervir e melhorar o prognóstico motor.
A PC, sob a perspectiva neurológica, pode ser classificada em quatro diferentes formas clínicas:

1. PC espástica. Essa é a forma mais comum, representa cerca de 87% casos. As crianças apresentam aumento do tônus muscular, aumento dos reflexos profundos e clônus. Os membros inferiores tendem a fazer rotação interna e adução do quadril, os pés ficam esticados e as pernas se cruzam, o que chamamos de posição “em tesoura”.

2. PC discinética ou distônica. Representa 7,5% dos casos. A criança apresenta movimentos involuntários, não controlados, recorrentes e, ocasionalmente, estereotipados.

3. PC atáxica. Corresponde a 4% dos casos. As crianças apresentam uma incoordenação dos movimentos, que são realizados com força, ritmo e precisão anormais.

4. PC mista. Combinação das formas anteriores.

Uma criança normalmente dá os primeiros passos sem apoio antes dos 16 meses de idade, a marcha estabiliza-se por volta dos 3 a 4 anos e está completamente madura aos 7 anos.4 O diagnóstico de PC geralmente é feito ao observar uma criança pequena com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, que apresenta alguma anormalidade no tônus muscular e na postura, ou quando apresenta alguma alteração na marcha. Muitas vezes essas alterações são leves e o único sinal percebido é que a criança anda na ponta dos pés; em situações mais graves, as pernas se cruzam anteriormente e há um movimento “em tesoura” com as mesmas.4 Entre as crianças com PC que não andam aos 2 anos, apenas 10% estará andando aos 7 anos.5

Na forma espástica da PC, a gravidade dos déficits motores e a distribuição dos membros afetados são determinadas pela extensão da lesão cerebral. As lesões mais próximas dos ventrículos cerebrais geralmente produzem comprometimento mais leve dos membros inferiores. Quando essas lesões são extensas, percebe-se dificuldades motoras mais grave acometendo tanto nos membros inferiores quanto superiores.

A criança com PC espástica apresenta fraqueza muscular e resistência ao estiramento muscular devido a uma rigidez muscular reflexa, neuro-mediada (espasticidade muscular) e uma rigidez muscular passiva. A fraqueza muscular leva a dificuldade de fazer a flexão dorsal do pé, a extensão do quadril e do joelho. Assim, essas crianças terão comprometimento da marcha porque andarão na ponta dos pés e com os joelhos e os quadris fletidos.

A identificação precoce das anormalidades do movimento, bem como sua prevenção em bebês de risco, é fundamental para intervenção multidisciplinar. Devem ser identificados e eliminados todo os fatores desencadeantes, como infecções, alterações posturais, órteses mal adaptadas, sapatos apertados, distúrbios do sono e estresse, entre outros, que podem estar piorando a espasticidade.

O tratamento da espasticidade deve ser individualizado e inclui fisioterapia, terapia ocupacional, medicamentos orais, bloqueios químicos (injeção de toxina botulínica e ou fenol nos músculos hiperativos), bomba intratecal de baclofeno e cirurgia.

A idade da criança determina o melhor tratamento.6

Influência da idade sobre as opções terapêuticas na paralisia cerebral:

0 – 3 anos

Definir metas

Identificar a etiologia

Fisioterapia e terapia ocupacional

Avaliar medicamentos orais

Toxina botulínica

4 anos – puberdade

Definir metas

Fisioterapia e terapia ocupacional

Avaliar medicamentos orais

Toxina botulínica

Rizotomia dorsal seletiva

Bomba de baclofeno

Cirurgias ortopédicas

Puberdade

Definir metas

Fisioterapia e terapia ocupacional

Avaliar medicamentos orais

Toxina botulínica

Bomba de baclofeno

Cirurgias ortopédicas

Os medicamentos orais utilizados no tratamento da espasticidade são:

1. Baclofeno, que é uma substancia semelhante ao GABA (neurotransmissor inibitório). Ele provoca uma inibição dos reflexos medulares e, consequentemente, relaxamento muscular.

2. Tizanidina é um relaxante muscular que age principalmente na medula espinhal e reduz o tônus muscular excessivo. É um derivado imidazólico que age nos receptores alfa 2 adrenérgicos da medula.

3. Diazepam é um medicamento do grupo dos benzodiazepínicos e age na redução do espasmo muscular reflexo.

4. Dantrolene é um medicamento que inibe a liberação do cálcio a nível do músculo e provoca fraqueza muscular.

A toxina botulínica do tipo A vem sendo utilizada para tratamento da espasticidade na paralisia cerebral desde 1993. Ela é injetada nos músculos das crianças com paresia espástica e provoca uma redução temporária do tônus muscular. Ela é indicada para melhorar a função motora, aliviar a dor, corrigir postura anormais e suportar o desenvolvimento motor, prevenindo contraturas e deformidades. As recomendações atuais levam em consideração a classificação funcional (Gross Motor Function Classification System – GMFCS).

A dose da toxina botulínica é calculada de acordo com o peso, a idade da criança, os músculos acometidos e a gravidade da espasticidade. Os efeitos podem ser observados após 24 a 72 horas da aplicação e duram, em média 3 a 6 meses.

A toxina botulínica é segura e eficaz na paralisia cerebral. Os principais eventos adversos são dor no local na aplicação, hematomas locais, edema, infecção e perda de força além do que havia sido planejado.

Como a toxina botulínica é uma proteína imunogênica, alguns pacientes podem produzir anticorpos que levarão a uma diminuição da eficácia. Apesar da incidência dessa situação ser baixa, recomenda-se que se utilize a menor dose necessária para o efeito clínico desejado e que se respeite o intervalo mínimo de 3 meses entre as aplicações.

Referências Bibliográficas

1. The Definition and Classification of Cerebral Palsy. Dev Med Child Neurol. 2007 Feb; 49(s109):1-44.
2. Bell, K. J., Ounpuu, S., DeLuca, P. A., and Romness, M. J. (2002). Natural progression of gait in children with cerebral palsy. J. Pediatr. Orthop. 22, 677–682
3. Sanger, T. D. (2015). Movement disorders in cerebral palsy. J. Pediatr. Neurol. 13, 198–207
4. Wu, Y. W., Mehravari, A. S., Numis, A. L., and Gross, P. (2015). Cerebral palsy research funding from the National Institutes of Health, 2001 to 2013. Dev. Med. Child Neurol. 57, 936–941
5. Wu, Y. W., Day, S. M., Strauss, D. J., and Shavelle, R. M. (2004). Prognosis for ambulation in cerebral palsy: a population-based study. Pediatrics 114, 1264–1271
6. Tilton AH, Maria BL. Consensus statement on pharmacotherapy for spasticity. J Child Neurol. 2001;16(1):66-7.

Dra. Glaucia Alonso

Dra. Gláucia Somensi Alonso

Médica fisiatra

CRM – 82723SP / RQE – 72085

https://www.instagram.com/dra.glaucia.alonso/