Epilepsias de difícil controle na infância

Epilepsias de difícil controle na infância

O QUE SÃO EPILEPSIAS DE DIFÍCIL CONTROLE MEDICAMENTOSO?

As epilepsias de difícil controle medicamentoso ou fármaco-resistentes correspondem a aproximadamente 30% dos indivíduos com epilepsia.

Considera-se epilepsia de difícil controle quando o tratamento com pelo menos duas medicações antiepilépticas (adequadas para o tipo de crise e em doses terapêuticas) não forneceu controle satisfatório das crises epilépticas, ainda que utilizadas por tempo adequado para determinar a sua eficácia.

A EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE PODE OCORRER NA INFÂNCIA?

Sim, pode ocorrer em qualquer idade.

Dentre estas epilepsias, temos uma entidade muito específica na infância, porém muito importante, que é a encefalopatia epiléptica.

A encefalopatia epiléptica é uma síndrome eletroclínica (ou seja, baseada nos dados clínicos e do eletroencefalograma), quando estamos diante de um paciente em que atribuímos que a atividade epiléptica por si só pode contribuir com grave alteração cognitiva e alterações de comportamento relacionados a uma doença de base.

O termo encefalopatia epiléptica é muito utilizado pelos neurologistas, neurofisiologistas e epileptologistas porque implica numa urgência no tratamento e diagnóstico, visando minimizar os danos causados tanto pela epilepsia quanto pela intensa alteração eletrográfica, se houver. O termo é criticado por muitos porque nem sempre é possível fazer esta relação tão clara do dano neurológico e crises/alteração eletrográfica, visto que a própria doença de base pode levar a alterações gerais importantes, inclusive neurológicas.

QUAIS AS CAUSAS DAS EPILEPSIAS DE DIFÍCIL CONTROLE?

As epilepsias de difícil controle podem ter várias causas, como:

Infecciosas – as mais frequentes são as meningites ou meningoencefalites virais, bacterianas, fúngicas. Algumas doenças infecciosas podem ter sido adquiridas durante a gestação, como os casos de toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis, HIV, Zika vírus.

Traumas – acidentes automobilísticos, domésticos ou outros que levaram a alguma lesão cerebral;
hipóxico-isquêmicas (“falta de oxigenação”) – como a parada cardiorrespiratória devido à alguma doença de base ou durante o parto;

Complicações da prematuridade – algumas crianças prematuras, principalmente as extremas, podem apresentar alterações cerebrais levando à leucomalácia (alteração da substância branca cerebral) ou outras lesões do parênquima (tecido) cerebral;

Malformação do sistema nervoso central (cérebro) – algumas delas ainda sem causa genética conhecida, podendo levar às displasias corticais, alterações no córtex cerebral e em outros locais como corpo caloso, cerebelo;

Genéticas – várias mutações genéticas podem ser responsáveis pelas encefalopatias epilépticas, que podem levar, por exemplo, a alterações metabólicas (erros inatos de metabolismo).

COMO DIAGNOSTICAR A EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE NA INFÂNCIA?

O diagnóstico é clínico (crises epilépticas frequentes) e os exames complementares nos auxiliam no diagnóstico etiológico (causa).

Algumas doenças são chamadas doenças neurocutâneas, como o caso da esclerose tuberosa. Esta manifesta-se com manchas na pele (claras – hipocrômicas e também escuras – do tipo “café-com-leite) em várias regiões do corpo. Podem aparecer ainda túberes (lesões) em outras regiões (como rins, coração e cérebro).

Os exames mais solicitados para as epilepsias de difícil controle da infância são: eletroencefalograma, ressonância magnética e/ou tomografia de crânio, testes metabólicos e genéticos. Algumas vezes são necessários outros como vídeo-eletroencefalograma e em casos cirúrgicos, exames mais específicos como SPECT (Estudo de perfusão cerebral) e PET (Tomografia com emissão de pósitrons) cerebral.

O eletroencefalograma (EEG) é exame complementar extremamente importante nestes casos, pois ajudará o médico a identificar alguns padrões eletrográficos específicos.

O exame de neuroimagem averigua a presença de anormalidades estruturais e podem dar “pistas” no diagnóstico etiológico.

Além disso, a Genética cresceu muito, principalmente por conta das novas tecnologias de sequenciamento genômico. Estas possibilitam a investigação simultânea de cerca de 20 mil genes, e com apoio da bioinformática, tornam possível rastrear o que se chama de variantes patogênicas (ou seja, mutações nos genes capazes de levar à doença), que determinam encefalopatias epilépticas. Existe um grande número de genes que podem determinar este tipo de quadro e grande parte dos casos decorre de eventos mutacionais ausentes nos genitores (chamados de novo).

QUAIS OS SINAIS DE ALERTA DA ENCEFALOPATIA EPILÉPTICA?

Os sinais de alerta para o reconhecimento da encefalopatia epiléptica são:

• alteração no desenvolvimento neuropsicomotor (importante lembrarmos dos marcos de desenvolvimento), que pode ser global ou específico (linguagem, motor, comportamental);
• surgimento de crises epilépticas que podem aparecer antes ou depois da alteração neurológica;
• crises epilépticas mais difíceis com os fármacos habituais;
• distúrbios de movimento (coreias, distonias, mioclonias).

O QUE SÃO SÍNDROMES EPILÉPTICAS?

As síndromes epilépticas são termos que utilizamos para agrupar tipos específicos de pacientes, conforme os sinais e sintomas, principalmente os tipos de crises, idade de início, evolução clínica.

As principais síndromes epilépticas que levam à epilepsia de difícil controle são:

Na fase de lactente: Síndrome de Ohtahara, Síndrome de West, Síndrome de Dravet
Na fase pré-escolar/escolar: Síndrome de Doose, Síndrome de Lennox-Gastaut, Síndrome de Landau-Klefner.
Neste texto não iremos nos aprofundar nestas síndromes, somente na Síndrome de West, por ser a mais frequente.

O QUE É SÍNDROME DE WEST?

A principal síndrome epiléptica encontrada nas crianças com epilepsia de difícil controle é a Síndrome de West, caracterizada por uma tríade:

Presença de espasmos infantis (contrações de membros superiores ou inferiores, como se fossem “sustinhos”;
alteração eletrográfica chamada hipsarritmia;

Atraso de desenvolvimento ou estagnação do desenvolvimento no momento da síndrome.

É importante ressaltar que os “sustinhos” não devem ser confundidos com cólicas abdominais ou reflexos que ocorrem em crianças, como o “reflexo de moro”. Algumas vezes os espasmos podem ser acompanhados de choro e também associados com a sonolência ou o despertar.

É preciso ressaltar que a Síndrome de West tem várias causas e devem ser investigadas pelo neurologista.
Muitas mutações genéticas podem ser responsáveis por síndrome de West. Nos últimos 5 anos, vária mutações genéticas foram identificadas como responsáveis pelas encefalopatias epilépticas, os mais conhecidos são: SCN1A, MECP2, KCNQ2, SCN8A, CDKL5, KCNT1, dentre outros.

EXISTE TRATAMENTO PARA ENCEFALOPATIA EPILÉPTICA? E PARA SÍNDROME DE WEST?

Sim. O tratamento é voltado para os sintomas, síndrome epiléptica e para a causa (etiologia).

Se o paciente apresenta crises epilépticas de difícil controle, é necessária a utilização de fármacos voltados para os tipos de crises epilépticas apresentadas. Quando não há controle com os fármacos, chamamos de farmacoresistentes. Nestes casos, alguns tratamentos como a dieta cetogênica, estimulador do nervo vago e cirurgia de epilepsia podem ser tentados.

O tratamento da síndrome de West deve ser feito o mais precoce possível e consiste: corticoesteróides e/ou vigabatrina como opções de primeira escolha. No caso da Síndrome de West causada pela Esclerose Tuberosa, a vigabatrina é normalmente o fármaco que tem a melhor resposta.

Nos casos de doenças por mutações genéticas, sabemos que alguns fármacos devem ser evitadas. Na Síndrome de Dravet (maioria causada pela mutação do SCN1A), os fármacos com ação de bloqueadores de canais de sódio (carbamazepina, oxcarbazepina e fenitoína) devem ser evitados. Entretanto, na encefalopatia por KCNQ2, sabe-se que a carbamazepina é uma droga de escolha. Nos casos de encefalopatia epiléptica causada pela mutação do gene KCNT1, além dos fármacos antiepilépticos, a quinidina (anti-arrítmico) tem sido utilizada com boa resposta.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Este assunto é bem amplo e complexo e tem tido atualizações frequentes. O importante é: sempre que tiver frente a um caso de encefalopatia epiléptica ou epilepsia de difícil controle, tentar o diagnóstico o mais precoce possível pois há tratamentos específicos e serviços médicos especializados em vários tipos de tratamentos. Em casos de dúvidas, procure um especialista.